quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Mélani Nunes Ruppenthal



EEEF Professora Luiza Teixeira Lauffer
Menina-mulher


Ela adormecia com facilidade, sua mãe lhe cantara canções de ninar, e lhe beijara na testa. Ouvia contos de fadas e se imaginara neles, mais que tudo queria ser parte dessa história, que era tão magnânima comparada a sua realidade.
Seu pai, Marcel, lhe presenteava com quinquilharias inúteis, laços de fitas, sapatos de cristais. Desfrutava de seus vestidos de cetim, que agora, lhe parecem fúteis. Seus olhos azuis-topázio eram grandes e pequenos num intervalo de um riso, e seus cabelos-mel cintilavam à luz do sol.
Seu pai, certa manhã, chegara em casa, exausto de mais uma noite saída sem explicação. Marie sentara no sofá, impaciente, esperando por sua volta. Em sua mão, segurava uma garrafa de vodca, e se perguntava se pegara o hábito de seu marido.
Cambaleando, atravessou a porta. Roupas rasgadas, cheiro de tequila.
Onde você esteve esta noite?-Marie lhe disse- Não sabia que reuniões de escritório durassem tanto quanto você as prolonga com suas saídas noturnas.
Ana sentara na escada, ao lado de sua sala, escutava a conversa. Abraçada em seus joelhos, não seria apropriado tripudiar com suas bonecas, sonolenta, às 4h39 da manhã.
O que está insinuando? Marcel sorriu em um ato involuntário de bêbado. É você que segura a garrafa de bebida, não eu.
Não me venha com seu sarcasmo. Sua voz subiu três oitavas. Está bêbado, e isso é evidente, como irrelevante.
Não diga agora você está me limitando. Seu braço tocou o peito em tom de deboche-Agora quer que eu seja um pacato como você, e imite sua falta de decoro como mãe e esposa.
Não diga que sou negligente em meus deveres, a qual deles se refere? A esta altura já estava de pé, gesticulando com as mãos no ar, num gesto de reprovação de mãe?
Não exatamente.
O que quer dizer?
Se você não fosse como uma inválida, talvez eu... Marcel moveu seus lábios, mas nenhum som foi pronunciado. Isso não lhe dá o direito de se exaltar, sou homem, superior.... Diante de tais palavras que disse, acho melhor, agora, você saber qual seu lugar, não vai se redimir com seu comportamento.
Meu lugar não é você que define, seu libertino imundo. Suas palavras lhe saíam aos berros. Gosta de ninfetas, senhor Ribeiro?
Marcel, impulsivo, deu-lhe um tapa no rosto, que lhe foram consecutivos. Suas mãos pesadas não lhe faziam jus a sua altura. Marie se contorceu de agonia, tamanha dor que sentia em seu rosto, como agora, em sua barriga.
Ana tampava o rosto com as palmas das mãos, dolorida, assim como sua mãe omissa no chão.
Pare,pare,pare. Implorava por socorro a mulher leviana.
Marcel parecia não a ouvir, mas nem a reconheceria. Sua face machucada, seus gritos desesperados.
Ana correu até lá. Pobre criança ingênua,adormece,sonha com seu pequeno-grande mundo surreal, desperta, e é desprovida de sua ignorância.
Pegou seu vaso de porcelana, onde guardava rosas diversas e belas. Acertou sua nuca com a força de uma menina de cinco anos, que já lhe foi suficiente.
Marie?-uma voz ao fundo gritava-É você que grita?
Carlos, nosso vizinho... No quintal, Marie murmurou.
Fiz mal mamãe? Ana tremia de pavor.
Não, meu bem, não. Marie abraçou Ana, aninhando-a em seus braços sujos e calorosos.
Chamamos a polícia, gritou Carlos no jardim. Abra a porta, Marie.
Ana olhava o corpo inconsciente de seu pai diante de si. Preso e taciturno era seu destino.
Lágrimas lhe escorriam das circunstâncias de uma violência nunca entendida, nunca superada.
Marie, e até mesmo Ana, como prever seu futuro diante de tal desgraça? Uma incógnita, esse será seu maior dilema. Mas mães e filhas com rostos em seus ombros, braços envolvidos, gargantas sufocadas, ainda lamentariam esse acontecimento: uma noite em que uma garotinha salvara a vida de tal transtorno, com tanta bravura, que se consagrou uma menina-mulher.

1 comentários:

Blog Fonte de Energia Solar disse...

Muito comovente esta história.
Fatos que podem ocorrer em muitas famílias.

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